Assembleia e governo se unem às comunidades pela sobrevivência do 'Velho Monge'

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Jacqueline Heluy/Agência Assembleia
13/11/2015 09h51 - Atualizado em 13/11/2015 14h44

Assembleia e governo se unem às comunidades pela sobrevivência do
Pescadores Luís Carlos e Evandro retiram o peixe da rede após mais um dia de trabalho no rio Santa Rosa | Márcio Diniz/Agência Assembleia
Foto original

São 13h20 da tarde quando uma canoa de madeira movida a motor desce lentamente o rio Santa Rosa e atraca no porto localizado na avenida principal da cidade de Araioses, a 477 km de São Luís. Da pequena embarcação descem dois homens com as cabeças protegidas por chapéus e usando camisas de malha de mangas compridas. Eles retiram da canoa um cofo com peixes e seguem andando rumo ao mercado.

Esta cena que se repete quase que diariamente representa o término de mais um dia de trabalho para Luís Carlos Silva e Evandro. Eles são pescadores e têm o mesmo perfil socioeconômico que 97% da população da cidade de Araioses, cujos meios de sobrevivência são oriundos da pesca e das lavouras de subsistência cultivadas às margens dos rios Santa Rosa, importante afluente do rio Parnaíba, e Magu, que tem sua nascente no município de Santana do Maranhão e desemboca no Santa Rosa. De acordo com o censo do IBGE de 2010, Araioses tem cerca de 42 mil habitantes.   

O trabalho dos pescadores de Araioses começa ainda de madrugada, quando descem o rio Santa Rosa de canoa, popularmente chamada de ‘rabeta’, até um o pesqueiro denominado ‘Lamarão’. Já no final da manhã, fica difícil distinguir quem é quem à beira do rio, pois quase todos os pescadores de Araioses usam chapéus e camisas de mangas compridas, proteção para um sol escaldante de 35 graus.

Os amigos Luís Carlos e Evandro são pescadores há mais de 40 anos e sempre trabalharam juntos na mesma canoa, criaram os filhos e, agora, os netos, com a venda de pescado. Ambos se dizem profissionais da pesca, mas se mostram desanimados e querendo outro meio de sobrevivência.   

Evandro justifica o desejo de mudar de profissão porque não está satisfeito com a produção de peixe e camarão nos rios Santa Rosa e Magu e, para isso, tem uma explicação: “antigamente nós saíamos para pescar e voltávamos para casa com a canoa cheia de pescado, mas agora, o que a gente retira do rio mal dá para alimentar a família”, explica.

A diminuição da produção de pescado nos rios que cortam a cidade de Araioses estaria sendo ocasionada pela salinização das águas do Santa Rosa. Segundo Luís Carlos, nos últimos cinco anos o peixe começou a diminuir e não se reproduz mais como antes.Ele acha que o rio está salgado porque está recebendo muita quantidade de água do mar. “Esses nossos peixes são de água doce e não de água salgada, e por isso eles estão escassos”, explica ele.

Luís Carlos e Evandro dizem que há cerca de seis anos retornavam da pescaria com o cofo cheio, chegando, em alguns dias, a trazer até 10 quilos de peixe, que eram vendidos na própria cidade de Araioses e o que sobrava dava para alimentar toda a família. Atualmente, o cofo volta pela metade e o rendimento é baixo. O quilo do pescado é vendido entre R$ 5,00 a R$ 10,00, dependendo da espécie.

DESMATAMENTO E SECA

A salinização das águas do rio Santa Rosa não é conversa de pescador. Realmente está ocorrendo e prejudicando praticamente toda a população de Araioses. O problema é que os moradores da cidade são abastecidos pela água do Santa Rosa, cuja central de captação fica no rio Magu, mas a quantidade de sal é tanta que ninguém consegue consumir a água, que até para o banho se tornou inadequada. Muitos moradores estão sendo obrigados a comprar água mineral, cujo galão é vendido a R$ 4,00.

A questão da salinização da água do rio Santa Rosa foi um dos assuntos abordados durante a audiência pública realizada em Araioses, no dia 5 de novembro, para discutir a criação do Comitê de Preservação da Bacia Hidrográfica do Rio Parnaíba. O deputado Cristovam Filho (PSL) esclareceu que a salinização ocorre porque o nível da água do rio Parnaíba está baixo e, com isso, a água do mar ganha mais força e se lança no seu afluente, o rio Santa Rosa, misturando-se à água doce.

O assoreamento do rio Parnaíba é provocado por fatores climáticos, como a seca decorrente da ausência de chuva, e também por ações humanas, como o desmatamento e as queimadas das matas ciliares, despejo de esgoto in natura e de lixo depositado no leito do rio.

Os moradores de Araioses cobram providência do poder público para diminuir a salinização da água, a fim de que a produção do pescado volte a ser o que era, e alegam que o rio é fonte subsistência.

De acordo com Ioneide Santos, secretária da Colônia de Pescadores Z 20, cerca de duas mil pessoas são cadastradas como pescadores artesanais no município de Araioses. “Esse rio é a vida de nossa cidade”, diz ela.

É do rio Santa Rosa que também sobrevive a família de Salomão, um menino de 11 anos que mora em Canárias, um povoado de Araioses. De manhã ele sai para procurar camarão na beira do rio, que usa como isca para pescar. “Peixe grande eu vendo e os pequenos eu levo para comer”, disse animado o garoto, demonstrando que ainda não consegue sentir os problemas que afetam os pescadores mais antigos.

João Perez e o filho Maiko, de 11 anos, também saem todos os dias de canoa para pescar, mas a especialidade dos dois é a pesca do siri, que é vendido no mercado de Araioses. Em uma manhã eles chegam a vender 40 cordas de siri, recebendo por elas R$ 100 reais. “É com a pesca nesse rio que eu sustento minha família, então, nós precisamos dele e ele não pode morrer”.

PEIXE EM CATIVEIRO

 As queimadas que de tempos em tempos devastam as margens do rio Santa Rosa também já causaram prejuízo ao pequeno agricultor Francisco das Chagas da Silva,morador de Araioses. Ele conta que produzia caju, mas a plantação foi toda destruída por um incêndio. Foi então que decidiu mudar de ramo e investir na criação de peixe em cativeiro.

Hoje Francisco sobrevive e paga os estudos dos três filhos, dois deles alunos de faculdade particular na cidade de Parnaíba (PI), com a venda de tilápias e tambaquis. Ele também é um dos moradores de Araioses que tem no rio Parnaíba a principal fonte de renda, já que os tanques dos peixes são abastecidos pela água do rio, que no período da cheia transborda e inunda uma pequena área que ele adquiriu há dois anos, às margens da BR 226. O terreno que, segundo ele, só servia para plantar capim, hoje é reservatório de peixe.

Francisco trabalha praticamente só. É ele quem alimenta e joga a tarrafa para retirar as tilápias e tambaquis dos tanques, cuja venda é feita no próprio local e, também, nos finais de semana, quando os filhos comercializam o pescado nas ruas de Araioses.O quilo é vendido a R$ 12,00. Por semana, Francico chega a vender cerca de 35 Kg. “Toda a comunidade de Araioses depende do rio Parnaíba e seus afluentes, então é necessário haver uma política de preservação urgente”, disse.

CONFECÇÃO DE VASSOURAS

O município de Araioses é classificado como a porta de entrada do Delta das Américas. A indicação que comprova a importância histórica e geográfica está expressa em uma grande placa na rodovia, logo na entrada da cidade. O Delta fica localizada no extremo leste do estado e possui uma área de 7.238,746 km², sendo formada pelos municípios maranhenses de Água Doce do Maranhão, Araioses, Magalhães de Almeida, São Bernardo, Santana do Maranhão, Paulino Neves e Tutóia, totalizando uma população de 177.117 habitantes.

Com mais de setenta ilhas, o Delta das Américas ou Delta do Rio Parnaíba é o único em mar aberto nas Américas. A área é um santuário de reprodução de várias espécies de peixes, caranguejos, lagostas e camarões, protegendo, também, estuários de reprodução do peixe-boi marinho.

Descer o rio Santa Rosa em qualquer tipo de embarcação - seja ela uma lancha potente ou uma simples canoa a remo – é uma experiência gratificante, não apenas pelas belezas naturais que compõem toda a região, como, também, pela constatação do quanto o rio Parnaíba é importante para a sobrevivência das comunidades ribeirinhas.

Nas pequenas ilhas escondidas nas reentrâncias - braços de rios estreitos cercados por manguezais - podem ser encontradas pequenas lavouras de arroz ou avistados os catadores de caranguejo em pleno exercício do manejo dentro da lama. No povoado Carnaubeiras, a 30 km de barco de Araioses, é onde existe a maior produção do caranguejo-uça do mundo e de onde sai o caranguejo que abastece boa parte dos restaurantes do Ceará.

Navegando um pouco mais dá para avistar a comunidade Gado Bravo, que habita uma das pequenas ilhas localizadas nas reentrâncias. Neste local totalmente isolado, sem energia elétrica ou qualquer outro serviço público, as famílias sobrevivem da venda de vassouras que eles mesmo confeccionam com palhas de carnaubeiras, planta nativa na região.

A casa de Francisco das Chagas da  Silva é de taipa, coberta de palha e abriga ele, a mulher e os quatro filhos. Todos os utensílios domésticos se resumem a dois potes de barro, três lamparinas que são abastecidas com querosene e três banquinhos de madeira. Todo o espaço da casa é ocupado pelas vassouras que foram confeccionadas pela família e estão prontas para ser vendidas em Araioses, para onde eles se deslocam de canoa a remo.

Francisco diz que vende cada vassoura por 70 centavos e a produção diária é de 100 peças. Ele sabe da importância que o rio Parnaíba representa para todas as comunidades ribeirinhas. “É dele que tiramos o nosso sustento, é o que temos para viver. A gente faz vassoura para poder comprar comida e tem também o peixe que a gente pesca só mesmo pra comer”.

E, assim, Francisco vai levando a vida, ensinando aos filhos que da palha das palmeiras de carnaúba à beira do rio Parnaíba, carinhosamente chamado de ''Velho Monge', depende a sobrevivência de várias gerações.

COMITÊ DE PRESERVAÇÃO   

Para preservar toda a riqueza desse ecossistema, a Assembleia Legislativa do Maranhão e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente estão travando uma verdadeira cruzada pela criação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Parnaíba, que envolverá os estados do Maranhão, Ceará e Piauí.

Um dos passos que antecedem à criação do Comitê são as audiências públicas que vêm sendo promovidas pela Secretaria e a Assembleia, para sensibilizar os representantes do poder público e a sociedade civil dos 39 municípios maranhenses banhados pelo rio Parnaíba, sobre a importância da manutenção e conservação deste importante recurso.

Já foram realizadas três audiências, a primeira em São Luís, a segunda em Balsas e a terceira em Araioses. A última acontecerá na próxima quinta-feira (19), na cidade de Timon, e reunirá todos representantes dos municípios que integram a região do Médio Parnaíba maranhense.   

A Bacia do Parnaíba é a segunda mais importante do Nordeste, abrangendo grande parte dos territórios do Maranhão (39 municípios), Piauí (223 municípios) e Ceará (20 municípios). A sua composição vai contribuir para que todos os setores da sociedade com interesse sobre a água da bacia hidrográfica tenham representação e poder de decisão sobre sua gestão.

Depois de constituído e aprovado pelo Governo Federal, o Comitê poderá garantir benefícios ambientais, sociais e econômicos para todos os integrantes do processo de desenvolvimento da região da bacia do Parnaíba, através de uma gestão integrada, descentralizada e participativa.


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