14 de dezembro de 2015
Comunidade quilombola de Piqui da Rampa comemora conquistas no 21º Festival da Farinha
“Tudo aqui é fruto de muito trabalho e união. A nossa vontade é chegar sempre mais longe, sem perder de vista a nossa história, luta e identidade”, disse Edmilson Fernandes, 52 anos, um dos líderes da comunidade negra quilombola do Povoado Piqui da Rampa, localizada a 20 km do município de Vargem Grande.
Ribamar Santana/ Agência Assembleia
“Tudo aqui é fruto de muito trabalho e união. A nossa vontade é chegar sempre mais longe, sem perder de vista a nossa história, luta e identidade”, disse Edmilson Fernandes, 52 anos, um dos líderes da comunidade negra quilombola do Povoado Piqui da Rampa, localizada a 20 km do município de Vargem Grande. Neste final de semana, sábado (12) e domingo (13), Dia de Santa Luzia, a comunidade de Piqui da Rampa realizou o 21º Festival da Farinha, considerado um dos maiores eventos da região do Itapecuru, contando com um público estimado de 10 mil pessoas.
Na década de 90, incentivados e apoiados pela Paróquia de São Sebastião, de Vargem Grande, os moradores da comunidade Piqui da Rampa decidem se organizar e fundam a Associação Comunitária de Piqui da Rampa que, hoje, congrega 34 famílias. “A melhora de nossas condições de vida começou a partir dessa nossa tomada de decisão. De lá pra cá tivemos muitas conquistas e, com fé em Deus e com a intercessão de Santa Luzia, vamos conseguir muito mais”, conta Maria Joana Sales Barbosa, segunda dirigente da Igreja Católica de Piqui da Rampa.
“Hoje é um dia de festa para comemoramos e agradecer à Santa Luzia, nossa padroeira, as conquistas de nossa comunidade”, afirma Maria da Paz Fernandes, 62 anos, a mais antiga moradora de Piqui da Rampa e neta de Henriqueta Selvina Leite, uma das fundadoras da comunidade e negra alforriada, no século XIX. “Não saio daqui de jeito nenhum. Aqui é o meu cantinho da felicidade ao lado de meus filhos e netos”, salienta Maria da Paz.
Os povoados Piqui da Rampa, Rampa e São Joaquim da Rampa ocupam uma área de 6.418 hectares, que forma o território quilombola chamado de Rampa ainda que espera a demarcação e titulação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), cujo processo já se arrasta por muito tempo. “Será que é preciso morrer gente para podermos garantir nossos direitos”, questiona indignado Walter dos Santos, 45 anos, secretário da Associação Comunitária do Povoado Piqui da Rampa.
PERFIL DA COMUNIDADE
O acesso à comunidade se dar por uma estrada de piçarra e estreita, ladeada de capoeiras, árvores frutíferas e moradas de outras comunidades, na sua maioria de taipa e cobertas de telha.
O povoado Piqui da Rampa destaca-se pela exuberância de suas belezas naturais como, por exemplo, as mangueiras frondosas e os vários juçarais que circundam suas casas, todas construídas de tijolos e cobertas de telha.
Conta com energia elétrica monofásica, uma pequena igreja construída pelos próprios moradores, um poço artesiano com rede de distribuição, duas escolas (uma do Município e outra do Estado), um grande salão comunitário e um galpão onde são armazenados os equipamentos de uso coletivo e uma casa de farinha.
As famílias são todas negras, vivem da agricultura e da pesca e tem uma médeia de quatro filhos. A maioria é beneficiária do Programa Bolsa Família (PBF), do Governo Federal. Uma quota do Fundo Comunitário, que é formado pelo apurado das atividades da Associação Comunitária e rateado entre eles, complementa com a maior parte a renda das famílias.
A tradição do trabalho coletivo é mantida pela comunidade e ensinada às novas gerações. A relação de parentesco é uma marca da comunidade. A maioria das famílias se diz católica e devota de Santa Luzia. Apresenta como manifestação cultural mais forte o tambor de crioula, que se apresenta nas datas festivas como o Festival da Farinha, o Dia da Consciência Negra, Dia de Finados, Festas Juninas e no Festejo de São Bartolomeu (De 15 a 24 de agosto).
Os pequizeiros, antigamente encontrados em grande quantidade ao ponto de determinarem o nome da comunidade, hoje são poucos devido ao desmatamento indiscriminado que ocorreu na região.
CONQUISTAS DA COMUNIDADE
Em parceria com órgãos governamentais, de âmbito federal e estadual, e entidades religiosas, a comunidade de Piqui da Rampa, por intermédio da Associação Comunitária, conseguiu a construção de 8 km de estrada piçarrada de acesso ao povoado, 6 km de rede elétrica de alta e baixa tensão, a construção com tijolo e telha de todas as casas da comunidade, sistema simplificado de abastecimento de água (com poço artesiano e rede de distribuição), casa de farinha motorizada e um kit de irrigação.
O kit de irrigação é utilizado no projeto de produção de hortaliças, que ocupa uma área de dois hectares, no qual são cultivados maxixe, quiabo, pepino, pimentão, cheiro verde, alface e legumes como abóbora, feijão e outros. Outros quatro hectares são utilizados para as culturas de sequeiro como, por exemplo, mandioca, milho, arroz e feijão. Parte dessa produção é comercializada por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e outra por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Com o financiamento de um lote inicial de 500 pintos pelo Banco Mundial, por meio de convênio, a comunidade desenvolve o Projeto Galinha Caipirão, que produz uma média de 500 cabeças, vendidas todas as terças-feiras, a cada três meses, nas feirinhas populares da cidade de Vargem Grande, ao preço de R$ 25,00 a cabeça. “O dinheiro arrecadado da venda de tudo que produzimos, e do que é apurado no Festival da Farinha, é colocado no Fundo Comunitário e aplicado naquilo que decidimos ser prioridade para a nossa comunidade”, esclarece Edmilson Fernandes.
O SOFRIMENTO COM A SECA
Com a falta de chuvas por um período de seis meses, desde o final de junho deste ano, o Projeto de Hortaliças encontra-se totalmente perdido. “É muito triste a gente ver essa situação. Perdemos todo o nosso plantio de quiabo e maxixe, pois os reservatórios de água (um de 20 mil litros e outro de 50) secaram e não tivemos mais como irrigar. É muito difícil a gente produzir sem ter o apoio necessário. Calculo nosso prejuízo em torno de uns R$ 50 mil”, lamenta-se Edmilson Fernandes.
Segundo os moradores de Piqui da Rampa, desde 1986 que não acontecia um período de estiagem tão prolongado como o deste ano. Todos os igarapés da comunidade secaram. “A valência é que temos um poço artesiano que, por enquanto, nos garante água para beber, banhar e cozinhar. E graças a Deus que, hoje, véspera do Dia de Santa Luzia, deu uma boa chuva e espero que seja o início do período chuvoso”, observou Walter Santos.
O FESTIVAL DA FARINHA
A programação do 21º Festival da Farinha foi iniciada, no sábado (12), com a procissão conduzindo a imagem de Santa Luzia, que percorreu todo o povoado até a igrejinha, na qual foi celebrada uma missa pelo padre da Paróquia de Vargem Grande, Paulo Maran Muniz, que é negro. “Para mim é motivo de orgulho estar pela segunda vez na comunidade de Piqui da Rampa. Esta é uma comunidade que é referência de organização e união em toda a região do Itapecuru. Sinto-me em casa e profundamente identificado com nossos irmãos negros que aqui moram”, disse.
Em seguida, houve a apresentação do tambor de crioula, torneio de futebol e a festa com a animação da radiola de reggae Nova Mega Itamaraty, de São Luís, que se estendeu até o domingo (13). “Recebemos gente de todo o estado. Já chegaram caravanas vindas de ônibus de várias localidades, inclusive de São Luís, para animarem nossa festa, que é tranquila e animada. Nunca tivemos nenhuma confusão”, ressaltou Sebastião dos Santos, 52 anos, conhecido por Jazir, um dos coordenadores do evento.
Toda a comunidade participa diretamente da organização desse evento, sendo os moradores divididos em equipes de trabalho: alimentação, recepção, limpeza, vendas e apoio logístico, que eles chamam de pátio. Todo ano são vendidas em torno de 800 grades de cerveja. Este ano mataram cinco bois e 200 frangos. “Nossa festa vai até se poder “pegar o sol com a mão”, ou seja, até o dia amanhecer”, ressalta Sebastião Santos.
PROJETO TAMBORES DO PIQUI/CARTAS DA LIBERDADE
Em 2006, por intermédio de um projeto do Ministério da Cultura em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a comunidade negra de Piqui da Rampa é selecionada para receber o projeto denominado Tambores do Piqui/Cartas da Liberdade, coordenado pela professora Ana Socorro Ramos Braga. O objetivo é destacar a cultura local como parte do desenvolvimento social da comunidade. “Um dos resultados desse projeto foi o resgate da manifestação cultural do tambor de crioula, que já estava sendo esquecida por eles”, assinala Ana Socorro.
Um livro intitulado Tambores do Piqui/Cartas da Liberdade – Memória e Trajetória da Comunidade Piqui da Rampa, a ser lançado em breve, é um dos produtos desse projeto cultural coordenado pela professora Ana Socorro, associado a uma Exposição Cultural composta por peças confeccionadas por moradores de Piqui da Rampa.
Marcelino Sousa Ribeiro, 45 anos, servente, morador do Bairro Santa Clara, em São Luís, foi um dos milhares de participantes do 21º Festival da Farinha. “Estou vindo pela primeira vez. Meu vizinho, que tem parentes que moram aqui em Piqui da Rampa, me convidou. Fui muito bem acolhido e estou tendo uma boa impressão da comunidade. Eles são muito organizados e unidos. Não imaginei que viesse esse tanto de gente, e a festa está muito boa”, declarou.
O jovem negro Emanoel Fernandes Lopes, 16 anos, morador de Vargem Grande, também estava lá. “Minha vô mora aqui. Gosto muito daqui, tenho muitos amigos e não deixo de vir a essa festa. Aqui todos se divertem de uma forma bem legal”, comentou.
DESAFIOS DA COMUNIDADE
Segundo Maria Joana, a próxima conquista sonhada pela comunidade de Piqui da Rampa é a construção de um Posto de Saúde. Hoje, só uma vez ao mês vai um médico ao povoado. “Precisamos também retomar nosso projeto de Hortaliças”, acrescenta.
“Somos gente nova vivendo a união, somos povo semente de uma nova Nação, hê, hô!. Somos gente nova vivendo o amor, somos comunidade, povo do Senhor, hê, hô!”. Embalados por esses versos, cantados durante a celebração da missa, a comunidade de Piqui da Rampa renova a esperança de uma vida melhor a cada dia e segue sua luta por mais conquistas.
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Consultora geral da Assembleia, também é fundadora do Instituto Maranhão Sustentável e cogestora da Casa D’Arte