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Pequeno Expediente Carlos Lula
19 de novembro de 2025
Transcrição
O SENHOR DEPUTADO CARLOS LULA (sem revisão do orador) – Excelentíssimo Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhoras Deputadas, eu subo à tribuna para tratar de uma data que a gente celebra amanhã, que é o Dia da Consciência Negra. E é difícil a gente dizer que é uma celebração quando a gente tem ainda tanta desigualdade no País e, sobretudo, no Estado do Maranhão. Então eu diria que a data de amanhã não é de festa, mas de memória, de afirmação e de cobrança. De honra a Zumbi, Dandara e a todas as pessoas negras que configuram o Brasil e que ainda lutam para existir plenamente. Então, quando a gente diz, Deputado Fred, que vai falar de consciência negra no Maranhão, a gente não está falando de um problema distante, meu amigo Deputado Fernando Braide, é falar de nós, da nossa história e, sobretudo, das feridas ainda abertas que atravessam o cotidiano do nosso povo. Nós somos um dos estados mais negros do país, mas também um dos que carrega mais indicadores de desigualdade racial. Deputado Júlio, quando a gente vai na sua Baixada, quando a gente olha os números, a gente não vê coincidência. Negros são a maioria entre os que ganham menos. Negros são a maioria entre os que enfrentam desemprego, entre os que estão na fila da saúde, são a maioria entre os corpos encarcerados e entre os jovens que são vítimas da violência. Os negros também são a maioria entre os que tiram leite de pedra todos os dias para sobreviver. Essa realidade não se explica pela falta de talento ou pela falta de esforço, mas por séculos de exclusão, por oportunidades que foram negadas, por barreiras visíveis e invisíveis que insistem em atravessar o caminho de quem nasce com a pele preta. No Maranhão, esse quadro é ainda mais evidente quando observamos a distribuição territorial das desigualdades. As regiões mais pobres do Estado são também as regiões mais negras. Os municípios que lideram índices de pobreza e insegurança alimentar foram construídos sobre a ausência histórica do Estado, sobre a falta de infraestrutura, de escolas, de acesso à saúde, de caminhos reais de ascensão. A cor, como bem mostram os dados, infelizmente tem endereço. Mas eu quero subir à tribuna não apenas para denunciar, porque aqui é, sobretudo, um lugar de compromisso, e nosso compromisso precisa ser concreto. E aqui eu queria destacar quatro pontos, muito rapidamente. Primeiro, a gente tem de reconhecer que políticas universais não bastam em sociedades marcadas pela desigualdade racial. O Maranhão tem de acelerar a implementação de políticas afirmativas, ampliar o acesso de jovens negros à educação superior, fortalecer o programa de permanência estudantil e garantir que a cor da pele não seja determinante do destino escolar. Em segundo lugar, a gente precisa enfrentar o racismo institucional, sim, precisamos revisar nossos protocolos policiais, ampliar a formação continuada das forças de segurança, garantir dados abertos sobre abordagens e promover mecanismos de controle externo afetivo. O Estado não pode ser produtor de mais desigualdade. Terceiro, é fundamental fortalecer a cultura negra maranhense, não como peça de folclore, mas como patrimônio político identitário. O tambor de crioula, o Bumba Meu Boi, as comunidades quilombolas, a culinária, a religiosidade, tudo isso é central para a nossa memória e para a nossa capacidade de projetar o futuro do Estado. Proteger essas expressões é proteger o próprio povo do Maranhão. E, por fim, como quarto ponto, é indispensável enfrentar a violência que atravessa, principalmente, os corpos jovens negros e periféricos. Não haverá consciência negra verdadeira enquanto mães negras continuarem enterrando seus filhos por falta de políticas públicas, por falta de oportunidades e por falta de Estado. A consciência negra é, sobretudo, um pacto moral, um pacto com a verdade, com a justiça e com a coragem de enfrentar o que ainda não tivemos coragem suficiente de mudar. O Maranhão precisa olhar para si mesmo e admitir o que os números mostram há décadas. Não haverá desenvolvimento enquanto houver desigualdade racial como regra. Que esta Casa assuma o compromisso de transformar essa data em políticas concretas… em orçamento, em fiscalização e em ação, não basta celebrar Zumbi, é preciso honrar seu legado com escolhas públicas que rompam a lógica da exclusão. A Consciência Negra é, antes de tudo, a consciência da dignidade, do direito de viver sem medo, de sonhar sem barreiras impostas pela cor da pele e de existir plenamente, que nós possamos estar à altura desse chamado. Muito obrigado.