22 de fevereiro de 2015

Fundação Antônio Brunno, onde a solidariedade e o amor ao próximo reforçam a luta contra o câncer

Em volta de uma mesa de madeira na cozinha de uma casa simples no conjunto habitacional Planalto Anil II, em São Luís, algumas pessoas conversam.

Fundação Antônio Brunno, onde a solidariedade e o amor ao próximo reforçam a luta contra o câncer

Luzia de Fátima conversa com pessoas com câncer hospedadas na Casa Abrigo da Fundação Antônio Brunno | Márcio Diniz/Agência Assembleia

Jacqueline Heluy/Agência Assembleia

Em volta de uma mesa de madeira na cozinha de uma casa simples no conjunto habitacional Planalto Anil II, em São Luís, algumas pessoas conversam. De repente, sai de um dos quartos uma garota de vestido estampado, magra, muito pálida e com aspecto cansado. Ela interrompe a conversa do grupo em voz baixa, quase imperceptível. “Pai, quero tomar juçara com farinha d’água”. Um homem levanta apressado da mesa, abre a geladeira, prepara o que a menina pediu e entrega a ela.

Juçara com farinha é um dos poucos alimentos que adolescente A.P, de 14 anos, ainda consegue tolerar. Ela é de Vitorino Freire e há sete anos a mãe foi embora para o Pará, deixando-a com o pai e mais três irmãos. A garota sonha em ser advogada e até fevereiro deste ano estava com a saúde perfeita. “Brincou muito o carnaval e, depois de alguns dias, começou a se sentir mal, a barriga começou a inchar de forma muito rápida e ela me disse que estava grávida”, afirmou  Manoel Lima, o pai. Mas não era gravidez.  Há dois meses A.P foi diagnosticada com câncer no fígado.

A história de A.P se confunde com a de muitas outras - crianças, adolescente, adultos, mulheres e homens – que são acolhidas diariamente na Casa de Apoio às Pessoas com Câncer, mantida pela Fundação Antonio Bruno. Elas chegam de vários municípios. São pessoas em condição de vulnerabilidade que vêm para São Luís em busca de tratamento para o câncer e não têm onde ficar. Muitos tratamentos demoram meses, entre idas e vindas ao hospital, dificuldade também para os acompanhantes.  

Sobra amor - A Casa tem quatro quartos, todos com camas do tipo beliche, terraço, sala e cozinha. O que falta de espaço para acomodar melhor as pessoas que chegam diariamente em busca de abrigo, sobra em amor. Os anfitriões são o casal Luzia de Fátima e Antônio Sousa, a filha Adriana e os mais de 20 voluntários que todos os dias vão em grupo dedicar um pouco do seu tempo aos doentes. 

“Aqui se sente a presença de Deus”, define Luzia Fátima. Com um sorriso no rosto, ela lança o olhar para uma mesa na sala na qual estão dispostas muitas fotos, agendas com manuscritos e vários objetos coloridos daqueles que são usados para caracterizar palhaços de circo. Logo acima da mesa, colado à parede, está pendurado um banner com uma grande foto de um jovem, cercada de várias frases que falam de amor e doação ao próximo.

COMO TUDO COMEÇOU

A história da Fundação Antonio Bruno quem conta é o casal Luzia de Fátima e Antônio a todos os visitantes interessados em saber como e por que começou o trabalho voluntário tão depreendido e cheio de amor. E a cada vez que conta a mesma história, o casal chora de tristeza e, depois, sorri. “Perdemos um filho, mas ganhamos uma família”, diz Fátima.

Antonio Bruno, filho de Fátima e Antonio Sousa - ela veterinária e ele empresário - desde muito pequeno demonstrou ser uma criança diferente. “Ainda criança ele tinha um olhar diferenciado para o próximo. Não conseguia ver uma pessoa necessitada sem que se dispusesse a ajudar e também falava muito de Deus”, disse o pai.

Bruno era tão religioso e desapegado de bens materiais que aos sete anos entrou para o grupo dos Vicentinos, da Igreja São Vicente de Paula, e aos 15 anos já era líder. Sempre com foco no amor ao próximo, aos 19 anos ele resolveu, por conta própria, visitar doentes em hospitais de São Luís.

Fátima conta que um dia Bruno ligou para o grupo “Doutores da Alegria”, em São Paulo, e se informou como era feito o trabalho. Foi então que o jovem começou a se vestir de palhaço e ir sozinho alegrar as crianças internadas nos hospitais de São Luís.

Aos 22 anos Bruno já havia se tornado um pequeno empresário que atuava na produção e venda de adubos. Trabalhava e estudava, mas não abria mão das visitas que fazia alegrando crianças nos hospitais vestido de palhaço. “Ele se sentia muito feliz. O Bruno me dizia que ninguém neste mundo pode ser feliz enquanto houver gente sofrendo ao seu lado e que era necessário ajudar a quem precisa”, relata Fátima.

A doença - Em agosto de 2010, Bruno apresentou uma tosse seca intermitente. O pai achou estranho e orientou o filho a procurar um médico para investigar. Veio o diagnóstico: câncer no mediastino (membrana que envolve o pulmão).

Da condição de visitante, Bruno passou ser uma pessoa com câncer em tratamento. “Mãe, agora eu sou uma dessas pessoas, e agora eu passarei a viver a minha vida da melhor forma possível”, conta Fátima. 

E assim ele fez. Fátima afirma que o filho nunca chorou ou se deixou abater pela doença. Foi durante as suas internações para ser submetido a tratamento quimioterápico que Bruno se deparou com uma realidade até então desconhecida. Muitas pessoas que chegam do interior, em São Luís, para tratar o câncer, não recebem qualquer tipo de amparo e nem possuem local para ficar. E foi lá mesmo, no leito do hospital, que ele começou a pedir aos pais que comprassem uma casa para abrigar os doentes com câncer. Ele queria que se chamasse “Casa João Paulo II”.

“Eu dizia ao Bruno que não tinha como comprar uma casa. E como eu podia falar para o meu filho que todos os nossos recursos estavam sendo gastos com o tratamento dele?”, explica o pai, emocionado.

Mas o rapaz não conseguia pensar em si, apenas nos que estavam à sua volta nos leitos do mesmo hospital. Um dia ele pediu aos pais que se não podiam comprar uma casa para abrigar os doentes, que pelo menos aceitassem que estes ficassem hospedados na sua casa.

E assim Antonio e Fátima receberam em sua própria casa, no bairro Cohatrac, o primeiro hóspede. Era o Léo, um garoto de 17 com leucemia, acompanhado por sua mãe. “Bruno deu o endereço ao Leo lá no hospital e um dia ele bateu à nossa porta e o acolhemos”.

Em março de 2011 Bruno veio a óbito em Barretos (SP). Foi vencido pelo câncer em uma batalha que durou apenas oito meses. O Léo, que quando da morte de Bruno ainda estava hospedado na casa de Fátima e Antonio, faleceu dois meses depois.

Durante os nove meses em que se submeteu ao tratamento contra o câncer, Bruno se dedicou ao projeto da Casa de Apoio e fez deste sonho a razão de ser da sua breve vida. O projeto foi encontrado após o óbito por sua irmã, Adriana, arquivado em um notebook que se tornou inseparável do jovem durante o período em que lutou contra o câncer.

O projeto de Bruno se dividia em cinco subprojetos e um deles era a formação de um grupo com 11 amigos, cujos nomes dos integrantes foram listados pelo próprio Bruno, os quais deveriam continuar o seu trabalho de visitar crianças em hospitais vestidos de palhaços.

Foi então que um mês após a morte de Bruno, o primeiro subprojeto foi colocado em prática e fundado o grupo “Donnos da Alegria”, no início com 11 jovens e que agora já conta com cerca de 40. Eles se dividem em grupos e quatro vezes por semana visitam hospitais infantis de São Luís alegrando crianças, sempre fantasiados de palhaços.

“DEUS MANDA OS ALIMENTOS”

A Casa de Apoio foi a consolidação do segundo passo do projeto deixado por Bruno. Foi fundada em 2012, um ano após o seu falecimento. Antonio, Fátima e Adriana não mediram esforços para concretizar o sonho do rapaz. Não puderam comprar, mas alugaram com recursos próprios a casa no conjunto Planalto Turu II e passaram a receber os doentes com câncer. "Nós trocamos a dor da perda do nosso filho pelo amor a essas pessoas", afirmou Luzia de Fátima.

Todas as despesas da casa vêm de doações. O valor do aluguel é R$ 1.600,00, pago com o que recebem dos doadores. A Casa dá também as medicações, quando necessárias, e até o alimento enteral de alguns pacientes, muitas das vezes comprado por Antonio com recursos próprios. Ele também dá o dinheiro do táxi para quem precisa se deslocar ao hospital para exames ou tratamentos.

A Casa tem um fluxo diário de 40 a 60 pessoas. No mês de setembro foram recebidas 780 pessoas, segundo Antonio. Nem sempre há espaço, mas o casal não deixa ninguém retornar. “Não podemos fechar a porta para uma pessoa com câncer que não tem para onde ir. A gente dá um jeito, coloca na sala”, afirma Fátima, sorrindo. Ao chegar na casa, o paciente recebe um kit de higiene contendo escova de dente, toalha, desodorante e sabonete. 

E a comida para tanta gente, de onde vem? “Deus manda”, relata Fátima. E manda mesmo. De meia em meia hora para à porta um carro para entregar doações. “Um dia eu cheguei em casa e uma acompanhante me disse: seu Antônio, nós só temos dois frangos para o almoço. Eu coloquei a mão na cabeça e pensei: e agora, com tanta gente para comer? De repente parou um carro. Era da Bel Frangos, uma das nossas doadoras, que chegava para nos doar 10 frangos. Pronto, Deus mandou”, relatou ele.

Voluntário - Augusto Ribeiro mora próximo à Casa Abrigo e é um dos doadores voluntários de alimentos. Ele disse não saber relatar ao certo o que sente ao estar ali ajudando aquelas pessoas. "Por mais que se fale, é pouco, pois o trabalho realizado na Fundação Antonio Bruno é incrível e de grande importância para quem precisa da cura", disse.   

Toda a disciplina do abrigo está de acordo com o que Antonio Bruno deixou escrito em seu projeto. O jovem determinou que a comida e a limpeza fossem feitas pelos acompanhantes e até como deveriam ser guardados os pratos e talheres. Cada paciente tem o seu depósito de plástico em uma prateleira com o nome da pessoa e o município de onde veio.

Uma das regras deixada por Bruno é seguida à risca na Casa: o desejo dos doentes tem que ser atendido pelo acompanhante. Por exemplo, se a pessoa quiser comer brigadeiro à meia noite, o acompanhante terá que fazer o brigadeiro.

E foi por isso que a menina A.P desejou tomar juçara com farinha e o pai prontamente a atendeu. Na mesma tarde o garoto I.S, de 7 anos, desejou tomar sopa e de imediato a avó, Maria das Dores Nascimento Sousa, começou a preparar.

O menino tem leucemia e já está na Casa Abrigo há sete meses para tratamento no Aldenora Belo. Há dois meses ele se submeteu a uma cirurgia para a retirada de um rim. A mãe de I. faleceu de cirrose quando ele tinha um ano e meio, o pai é dependente químico e vive nas ruas de Santa Inês. É criado pela avó, junto com uma irmã de 14 anos, que está grávida. “Quando eu vejo o amor e a dedicação que seu Antonio e dona Fátima têm por nós, acredito que ainda se pode encontrar pessoas boas neste mundo”, relatou Maria das Dores.

BAZAR E DOAÇÃO DE TERRENO

Na próxima sexta-feira, Antonio e Fátima poderão ver concretizado o sonho do filho Antônio Bruno. Finalmente a Fundação poderá receber um terreno para construção de uma nova Casa Abrigo, ampla, em um prédio de dois pavimentos, em local próprio, ficando livre da despesas de aluguel

Por intermédio do Grupo de Esposas de Deputados (Gedema), da Assembleia Legislativa, o Iterma está regularizando um terreno de 15X50 metros, pertencente ao Estado, para que lá possa ser construída a nova Casa Abrigo da Fundação Antonio Bruno. O projeto arquitetônico já está pronto e o prédio para 250 leitos será construído totalmente em sistema de mutirão com a ajuda da comunidade e dos voluntários da Fundação.

Há também um outro terreno ao lado deste, só que pertence à Prefeitura, o qual é muito importante para que o  projeto seja concretizado de forma integral. Porém, o processo de regularização do terreno nunca foi nem mesmo iniciado, apesar dos insistentes apelos da Fundação e da própria comunidade, à Prefeitura de São Luís.

No terreno da Prefeitura existia uma escola comunitária, cujo prédio está em ruínas há 15 anos e que servia apenas para abrigar usuários de drogas, até o dia que Antônio resolveu limpar totalmente a área, que hoje abriga também muitos dos pacientes que chegam à Casa de Apoio do Planalto Turu, que já se encontra lotada.

A cada momento a Fundação recebe doações de cimentos, tijolos, brita, telhas e outros materiais para a construção da nova Casa Abrigo. Mas o que há de mais emergencial é que os terrenos sejam regularizados. Este era o sonho que Antônio Bruno não viu ser concretizado, mas passou a ser também o sonho dos seus pais, dos doadores, dos voluntários, da comunidade do Planalto e Cohatrac e de todos os visitantes que conhecem o trabalho realizado na Casa Abrigo e por ele se encantam.

Na próxima terça-feira, o Grupo de Esposas de Deputados também promoverá um bazar com eletroeletrônicos, cuja renda será revestida à Fundação Antônio Bruno, que precisa muito de doações e também da solidaridade de toda a comunidade. Pois como muito bem definiu a mãe de Antonio Bruno: "se alguém sentir vontade de fazer alguma coisa por essas pessoas, que o faça agora e não deixe para depois, porque muitos delas não terão muito tempo”. 

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